Nos mitos a dança de amor é o ponto culminante das experiências de Krishna com as Gopis (pastoras), e representa também o fim de sua juventude. Numa noite iluminada pela Lua, Krishna tocou a flauta para atrair as pastoras e dar-lhes uma amostra de sua alegria celestial que seria estar com ele no paraíso. Ele cantou e dançou com elas e iniciou-as nos segredos de Eros. Para isso, o sedutor de corações tocou sedutoramente sua flauta, levando as apaixonadas pastoras ao êxtase. Cada uma dançou com ele como se ele fosse seu amante particular. Krishna afastou-se delas para ver Radha, sua gopi eleita. Cega de orgulho pelo fato de Krishna ter escolhido justamente ela por amada, Radha exigiu que ele a carregasse; isso fez com que ele a deixasse e desaparecesse na floresta. As outras pastoras encontraram Radha, e ao seu chamado suplicante e em coro Krishna vacilou, voltou para elas e prosseguiu com a dança. Seis meses durou a dança com suas alegrias eróticas, e terminou com um banho no rio, do qual toda a sociedade participou.
O grande amor das pastoras por Krishna e expressão do amor humano por Deus. A flauta de Krishna é um símbolo do chamado de Deus às almas humanas que, como as pastoras, renunciaram a tudo e correm para o amado Krisnha. Para provar o amor universal de Deus. Krishna teve de amar não apenas Radha mas todas as pastoras, pois Deus ama todas as almas.
Na poesia indiana, a relação de Krishna com Radha é descrita extensamente. A poesia fala dos altos e baixos de sua atração mútua e os sofrimentos da apaixonada Radha, que espera pelo amado enquanto ele flerta com as outras gopis. Seitas Krishnaíticas de caráter erótico-místico posteriores estão ligadas a este episódio, e o amor terreno foi interpretado alegoricamente de maneira variada. Radha é vista como o amor infinito formado pelo ser de Krishna. O homem participa da natureza de Krishna, a mulher da de Radha. Mostra-se aqui a influência do tantrismo, que conclui daí que o ser humano possui em seu próprio corpo tanto o masculino como o feminino. Para o praticante do Tantra masculino, a prática tântrica consiste em alcançar e vivenciar a natureza do feminino ( com o praticante do sexo feminino ocorre exatamente o inverso). A verdade do amor só pode ser experimentada no corpo, pois aquele que " realiza a verdade do corpo tem acesso a mais alta bem-aventurança" ( Muhasukha).
A união de Radha e Krishna personifica uma " condição divina" que semelhante a um jogo (lila), leva à redescoberta da espontaneidade primordial (Sahaja). O conceito de Sahaja desempenha um grande papel nos cantos de amor indianos. Sahaja é uma atividade da alma que só se torna possível supondo-se a existência de liberdade e independência interiores. Os que amam não podem negar nada; eles têm que se entregar por inteiro, dar tudo e ainda assim não podem depender um do outro. É um amor livre do ego, no qual a vinculação e a liberdade não são antônimos, pois o amor é totalmente livre e ao mesmo tempo escraviza. O amor secreto, ilegítimo, entre Radha e Krishna, que não se importa com todas as barreiras da ordem mundial, torna-se símbolo da união com a divindade. No místismo erótico, o amor a Deus é uma intensa experiência sentimental de unidade e do amor, inseparavelmente ligada à expressão desse amor em cada ato da vida.
Como exemplo desse amor erótico, reproduzirei aqui uma poesia de Harivan (1522-15870), que descreve o amor entre Hari(Krishna) e Radha:
Sob adorável ramagem descansam ambos.
radha e Hari em ricas vestimentas.
Na noite outonal, o esplendor da lua cheia.
A escuridão a envolve, esguia e dourada,
Como trepadeira do raio que as nuvens
escurecendo abraçam em noite de tormenta.
Eles ostentam o escarlate e o açafrão,
Seus corações ardem em chamas,
O ar sopra docemente perfumado e fresco.
Sobre folhas e flores jazem os belos;
Ele fala a ela com os sons mais doces,
Ela o repele em jogo envergonhado.
Encantado, ele toca mais e mais
Seu peito, suas pérolas, seu rosto;
Com um tímido " ainda não" ela o contém.
Tão amável brinca o sublime;
Os braços de sua paixão são labaredas,
E a corrente de sua amor purifica o mundo.